09 março 2007

Um texto do meu amigo Dercinei, que fez 40, também em março

Aos dez e aos quarenta

Se eu soubesse que completar quarenta anos era assim, já teria feito quarenta há mais tempo! E não é porque a Eleonora me provocava dizendo que eu tinha que assumir minha idade real e abandonar minha idade imaginária. E sim porque descobri que ter 40 não carrega qualquer maldição ou crise, pelo contrário, até agora – e já sou quarentão há mais de oito horas! – sinto-me exatamente igual a quando tinha dez anos.

Quando tinha dez anos imagina como eu seria e como o mundo estaria, e desenhava esse admirável mundo novo. Na Era Mesozóica, período jurássico, época superior e idade oxfordiana preferia os desenhos às letras, mas felizmente mudei. E o que restou da minha fase de desenhista foram minhas letras manuscritas tão ruins quanto meus desenhos.

Imaginava 2007 como um futuro distante e que, se chegasse lá, estaria um velho de quarenta anos sentado no trono de um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes [?] esperando a morte chegar. Entretanto, graças aos avanços da medicina, eu seria uma mistura de Steve Austin e Buck Rogers, um corpo com partes biônicas viajando através do espaço e, quem sabe, também através do tempo!

Nunca me imaginei casado, e muito menos pai. Até porque não dava para ser um herói nos moldes da Marvel, da DC, dos desenhos animados, dos enlatados americanos e dos filmes preso a esposa e filhos, exceto se a mulher e os filhos também fossem heróis como você. E, como todo mundo sabe, é mais fácil ser um super-herói do que encontrar uma super-heroína disposta a abrir mão de superaventuras para ser superesposa e supermãe de superfilhos.

Achava que só com muita sorte chegaria aos quarenta, já que o mundo ficaria sem petróleo (e donde o ouro negro era extraído seria o inferno!), as corporações controlariam tudo e vigiariam todos, aconteceria a última guerra mundial e Jesus voltaria. Em suma, o mundo chegaria ao seu fim antes de eu chegar aos quarenta.

No fundo tinha certeza que viveria intensamente, morreria rápido e deixaria um belo cadáver. Aos dez anos sabia tudo sobre a vida, entretanto nada sabia sobre o futuro. Hoje sei menos sobre a vida, no entanto sei mais sobre o futuro. Acho que é a lei natural da compensação.

Aos quarenta, já poderia ter concluído meu segundo doutorado (ou o meu primeiro pós-doutorado), e ao invés disso não passei de uma graduação (apesar de ter outras três graduações pela metade e três pós-graduações, tanto em latu quanto em strictu sensu, quase terminadas). Já poderia dominar pelo menos três idiomas, e ao invés disso falo um inglês macarrônico e um espanhol pior que o do Léo Calil. E já poderia estar escrevendo meu décimo livro, e ao invés disso todos os meus livros não passam dos títulos (aliás, sou excelente em títulos).

Já saltei de pára-quedas, já dei perda total em um carro, bati com a cabeça em um mourão de cerca a 40 km por hora, caí de esqui, skate, bicicleta e moto, já transei sem camisinha, bebi e fumei, já levei socos, pontapés e fui atropelado, já fui alvejado, esfaqueado e cirurgiado três vezes entre outras coisas que não estou pronto, não posso ou não quero revelar. É uma surpresa para mim chegar tão bem ao quarenta. Não foi por minha resistência e coragem, foi o irracional favor imerecido de Yahweh que me preservou. A questão é: diante disso tudo, por que não seria feliz?

Vivo o melhor momento da minha vida. Minha profissão é minha vocação, meu trabalho é meu prazer. Não ganho o que gostaria e creio que gostaria sempre mais e nunca ganharia o bastante. Todavia tenho tentado me convencer a cada dia, com relativo sucesso, que dinheiro não é tudo. É verdade que estou fora de forma, mas nada que não possa ser corrigido com força de vontade, remédio, bisturi e milagre.

Meus pais estão vivos e ativos, meus irmãos são meus vizinhos, posso gozar do carinho de queridos irmãos em Cristo e amigos, e a maioria das pessoas que amo ainda não foram estudar a geologia dos campos santos. Não preciso ir embora pra Pasárgada, pois já tenho a mulher que quero na cama que escolhi. E o mais importante é que ela também me quer (no lugar dela, não me quereria nem pintado de ouro e cravejado de diamantes!).

Não tenho compromisso com o erro, por isso me arrependo de um monte de coisas, de palavras a pessoas. Se me fosse dado o privilégio de romper a tessitura do espaço-tempo e voltar, gostaria de mudar... Não, acho que não, acho que não faria mudança alguma, pois teria medo de mudar também meu futuro, quem sou e o que tenho hoje. Pensando bem, se pudesse viajar no tempo, declinaria, estou vivendo o melhor dos meus dias e espero, sinceramente, que não sejam os últimos – sabe aquela melhora que todo doente tem antes de morrer?

Parafraseando Dickens: “Esse é o melhor dos tempos, esse é o pior dos tempos, é a idade da sabedoria, é a idade da imbecilidade, é a época de acreditar, é a época da descrença, é a época da luz, é a época da escuridão”. Espero aproveitar essa maravilhosa ambigüidade que chamamos de vida por mais sessenta anos!

Amplexus et Osculus do seu Pastor
Dercinei Figueiredo Pinto

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