Posto aqui o capítulo três do meu livro "Simplesmente Igreja", 2a edição que será lançado até o mês de outubro. Espero que gostem.
“Eu acho esse o mais precioso de todos os dons das listas bíblicas”
David Kornfield, no livro “Descobrindo Dons Espirituais e Equipes de Ministério”.
“Bem aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia”. Jesus de Nazaré, no Sermao da Montanha.
CAPÍTULO TRÊS
SIMPLESMENTE MISERICORDIOSOS
“Qual desses três te parece ter sido o próximo daquele que caiu na mão dos salteadores? Respondeu o doutor da Lei: aquele que usou de misericórdia para com ele. Disse-lhe, pois, Jesus, vai e faze tu o mesmo”.
[1]Milhões de pessoas no mundo inteiro recorrem a terapeutas profissionais, no desejo de colocar em ordem as varias manifestações de enfermidades da alma.
Consultórios lotados, listas de pessoas carentes aumentando, vivendo os dramas da vida, que com a fragilidade emocional são impedidas de resolve-las, criando as patologias mais complexas.
Muitos não possuem amigos, nem em quem confiar. Experiências frustradas tornam tais pessoas cada vez mais amargas.
Este é sem duvida o retrato da sociedade pós-moderna: gente infeliz, adoentada, carente em suas necessidades emocionais e precisando de ajuda, de apoio e conforto.
É aí que acredito que a Igreja pode ser uma agencia do Reino de Deu agindo terapeuticamente na sociedade.
Como isso é possível? Como ela pode agir terapeuticamente na vida do individuo nos dias atuais? As palavras do experiente terapeuta americano Dr.Larry Crabb me impressionam pela luz no fim do túnel que ele enxerga:
“Ele (Deus) infundiu em nós uma energia capaz de curar as doenças da alma, uma força que entra em ação para operar os prodígios quando nos relacionamos uns com os outros de determinadas maneiras. A dificuldade é que não cremos nisso e, portanto, não refletimos muito sobre o assunto. Mas isso pode mudar [...] vislumbro uma comunidade de pessoas que deliberadamente se combinam em ambientes onde esses nutrientes são intercambiados, onde eu derramo em você os meios de cura que tenho em mim, e você derrama em mim o que Deus incutiu em você”.
[2]Como é possível tornar-se uma comunidade terapêutica na vida de homens e mulheres, tornando saudáveis a vida daqueles que nela comungam?
Para responder esta pergunta tomaremos como base o ministério de Jesus. Ele foi marcado por uma manifestação inquestionável da terapia divina na vida de muitas pessoas.
Nos anos de seu ministério aqui na terra, o Messias conseguiu aliar sinais e prodígios e atos de misericórdia.
Este é o modelo do Cristo. Muitos insistem em operar sinais, sem humildade, prodígios sem misericórdia e milagres sem louvor a Deus.
A Igreja de Jesus promove a reorganização do homem, nos vários sentidos e possibilidades.
Quero incentivar você querido leitor a dispor-se a agir, assim como Jesus, na restauração dos homens. Quero incentiva-lo a enxergar como a Igreja pode, na sua experiência diária, ser agente de saúde para o corpo e vida para os que encontrarem sua mensagem.
Para isso é fundamental compreender o ministério de Jesus de Nazaré. Algumas de suas experiências mais profundas servirão de alicerce para ensinamentos diversos à Igreja, num tempo de angustia na alma do povo. Como isso pode se dar?
A Igreja é uma comunidade terapêutica todas as vezes que é instrumento de Deus para minimizar o sofrimento humano
“Quanto a Jesus de Nazaré, como Deus o ungiu com o Espírito Santo e com poder, o qual andou por toda a parte fazendo o bem e curando todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele.”
[3]Jesus andou por toda a parte fazendo o bem e curando toda a sorte de enfermos e dominados pelo diabo. À luz dos evangelhos, Jesus conseguiu transformar a dor, a solidão, o fracasso pessoal em bênçãos variadas. O que Lucas escreve em Atos é fruto das experiências vividas por Jesus em Seu ministério.
O autor de atos, que também escreveu um evangelho que leva o seu nome, registra com clareza impecável um pouco do que o Mestre fez:
“Pouco depois seguiu ele viagem para uma cidade chamada Naim; e iam com ele seus discípulos e uma grande multidão. Quando chegou perto da porta da cidade, eis que levaram para fora um defunto, filho único de sua mãe, que era viúva; e com ela ia uma grande multidão da cidade. Logo que o Senhor a viu, encheu-se de compaixão por ela e disse-lhe: Não chores! Entao, chegando-se, tocou no esquife e, quando pararam os que o levavam, disse: Moço, a ti te digo: levanta-te. O que estivera morto sentou-se começou a falar. Então Jesus o entregou a sua mãe.”
[4]Ao entrar na cidade chamada Naim, que ficava ao Sul da Galiléia, Jesus se depara com um dos momentos mais dolorosos na vida do ser humano, a morte. Mas não era um evento qualquer, ali estava o filho único de uma mulher, o que agiganta em dramaticidade aquela cena.
A viúva não tinha nome, não tinha identidade, o único registro é que ela chorava copiosamente a morte de seu filho. Pense na história desta mulher. Perdera o marido, agora o único filho.
Por muito menos pessoas perdem o sabor da vida, e a alegria por ela. Muitos se isolam num universo de tristeza e amargura. Aquela mulher estava fadada a este fim.
Diz o texto que Jesus sente compaixão, se aproxima e ressuscita o menino – mas a tônica de suas palavras é que de fato irão promover todo o milagre: Mulher, não chores! Sinais e prodígios, mas com misericórdia.
Quando a Igreja está disposta a gestos de misericórdia mais do que gestos espetaculares, demonstra desejar ser uma comunidade de ações restauradoras. Disposta a minimizar o sofrimento humano. Não foi à toa que o Mestre afirmou: “vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos e eu vos aliviarei”.
[5]Esta é uma geração de pessoas enfadadas, cansadas de tudo:de viver, de chorar e de sofrer. A Igreja precisa ter uma mensagem e uma atitude em relação a estes corações.
A mensagem é clara: Há consolo! A atitude é inquestionável: compaixão.
Quando alguém procura uma Igreja está a procura de compaixão – embora alguns escândalos que acabamos por provocar, como instituição, quando as pessoas procuram uma Igreja é porque estao cansadas e precisam de alguém que lhes demonstre compaixão.
É preciso olhar para as pessoas sofridas, no desejo mais amplo de poder abençoá-las, através da descoberta de um caminho de alegria no coração.
Ao olhar para o ministério de Jesus percebe-se uma preocupação do Mestre em ver pessoas que sofriam não sofrendo mais, em ver pessoas que choravam não chorando mais, em sentir compaixão pelos que gemiam na solidão da vida.
A Igreja é uma comunidade terapêutica todas as vezes que é instrumento de Deus para ministrar o perdão à vida das pessoas
“mas Jesus foi para o Monte das Oliveiras. Pela manhã cedo voltou ao templo, e todo o povo vinha ter com ele; e Jesus, sentando-se, o ensinava. Então os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério; e pondo-a no meio, disseram-lhe: Mestre esta mulher foi apanhada em flagrante adultério. Ora Moisés nos ordena na lei que as tais sejam apedrejadas. Tu pois, o que dizes? Isto diziam eles, tentando-o para terem do que o acusar.
Jesus porém inclinando-se, começou a escrever no chão com o dedo. Mas, como insistissem em perguntar-lhe, ergueu-se e disse-lhes: Aquele dentre vós que está sem pecado seja o primeiro que lhe atire a pedra. E tornando-se a inclinar-se, escrevia na terra. Quando ouviram isto foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos, até os últimos; ficou só Jesus e a mulher. Então perguntou a ela: Mulher onde estao os teus acusadores? Ninguém te condenou? Respondeu ela: Ninguém Senhor. E disse-lhe Jesus: nem eu te condeno; vai e não peques mais”.
[6]A cena de Joao 8.1 a 11 é nublada. Uma multidão, uma mulher ao centro, porque era o centro da atenção da multidão, e Jesus.
O Filho de Deus estava diante de uma turba sem nome, sem identidade, sem caráter, e de uma mulher marcada pela vergonha e dor, condenada a morte.
A Lei era severa: “aquele que adulterar com a mulher de outro, sim, aquele que adulterar com a mulher de seu próximo, certamente será morto, tanto o adúltero, como a adúltera”.
Os que levaram à mulher a Jesus sabiam que a Lei deveria ser cumprida. Mas esta não era a intenção deles. Até porque para a Lei ser cumprida na íntegra faltava um personagem que eles não estavam nem um pouco preocupados em condenar. O que eles queriam era arrancar do Senhor uma decisão equivocada, para que pudessem encontrar uma falha.
Se o Mestre absolve a mulher, contraria a Lei, se a condena, contraria seus princípios de amor e misericórdia.
Jesus escreve no chão. Seus dedos rasgam a o chão batido, formando palavras que nunca foram reveladas. Enquanto isso, ao redor, os homens respiravam ódio, a mulher medo e o mundo espiritual vivia a expectativa de um ensinamento que atravessaria gerações.
Ele diz: “quem não tem pecado que atire a primeira pedra”. Nenhuma condenação. Nenhuma absolvição. Apenas cada um em seu lugar.
Diz o texto que um a um foi largando as pedras e deixando o tribunal montado na rua, em plena luz do dia, ficando somente o Mestre e a mulher pega em flagrante adultério.
Jesus a libera: “vai e não peques mais”. Este texto não fala de outra coisa senão de perdão.
Ser terapêutica envolve vencer pré-conceitos e ministrar perdão ao coração humano.
Tenho visto que, ao longo dos anos, perdemos mais pessoas porque nos intimidamos diante da necessidade em ministrar perdão. Em nome da manutenção de ministérios, de ministros ou instituições, vemos pessoas capazes, piedosas, mas que foram tragadas pelo poder avassalador do pecado foram tratadas como escória de tudo e de todos, desapareceram da cena evangélica, simplesmente porque não encontrou o caminho restaurador do perdão.
A mulher descrita no capitulo 8 de João é posta no meio de todos. Até chegar ali é bem possível que já tivesse passado pelo corredor da vergonha, sendo cuspida, maltratada e envergonhada até o limite da honra que uma pessoa pode suportar. Além disso teria que conviver com as marcas incorrigíveis que ficariam na memória.
É aí que a Igreja se torna uma comunidade de misericórdia, quando reafirma o direito de todos de um re-começo, exatamente como o Filho de Deus fez.
Quantos hoje que conosco estão não são frutos do amor encontrado, da compaixão compartilhada e da força emergente maior que toda a opressão maligna que opera sobre a vida dos “devedores”?
Num outro precioso livro do Dr.Larry Crabb, “O silêncio de Adão”, numa de suas páginas, o autor descreve um discurso de um pai para com o filho, demonstrando todo seu cuidado e preocupação.
Rapidamente me fez lembrar como Deus nos compreende e age em favor de seus filhos, em meio a torrente de nossas fragilidades.
No texto de Crabb o pai se harmoniza, desce ao tamanho do filho e as carências da alma e os fracassos da vida. Deus não é fraco, não tem as mesmas fraquezas que nós, mas sabe o que somos, como somos e porque somos assim:
“A mensagem do pai piedoso é ouvida pelo filho: ‘Você não está sozinho. Estou ouvindo. Ouço sua dor. Eu nunca lhe contei os detalhes de minha batalha com a lascívia, cobiça e orgulho, e você nunca me contou as suas. Mas sei que elas estao aí. Nada me chocaria. Eu também sou homem. E nada coloca você além do alcance do amor de Deus. Sua graça é tão maior do que o nosso pecado quanto a Terra é maior do que um grão de areia. Somos ambos homens decaídos que ainda não foram livrados da presença do pecado. Sei que a vida é dura, às vezes apavorante, muitas vezes indizivelmente dolorosa. Eu sofro com você, quando você se preocupa com o problema de dinheiro, decepções na carreira, problemas na família. Sinto o peso de suas perguntas e orações respondidas; conheço a escuridão que você sempre enfrenta. Mas sei o que Deus prometeu fazer. Portanto posso ouvir sobre seus problemas sem cair aos pedaços ou precisar salvá-lo. Em suas alegrias e tristezas, eu lhe dou a minha presença. Estou com você!”.
[7]Deus também está conosco nos momentos mais dolorosos de nossa vida.
O perdão é restaurador. Quando a igreja descobrir o valor e o alto preço do perdão seremos capazes de olhar para os que erram como instrumentos de Deus, para trazê-los de volta do mundo da vergonha, da dor e da humilhação, para a convivência sadia com os outros.
Perdão é para ser ministrado a gente quebrantada, humilhada e sofrida pelo próprio erro.
Mais uma vez a sobriedade e serenidade de Brenan Manning me salta aos olhos:
Quando vemos o Mestre perdoar a prostituta e absolver todos os seus pecados em virtude de seu grande amor (Lc 7.47), percebemos a alegria de Deus nos encontrando novamente. Descobrimos que essa alegria é capaz de soterrar todo o mal que cometemos. Podemos finalmente parar de nos preocupar com o passado, com extensão de nossa culpa, e com os limites do amor e da misericórdia.”
[8]O cantor e compositor Sergio Pimenta, pouco antes de sua morte, ainda no leito do hospital, compôs uma canção de inefável sensibilidade, onde afirmava que só sabe a dor quem já sofreu. Só quem sofreu, dizia ele, sabe avaliar quem sofreu.
Só quem errou é capaz ou é capaz de errar sabe avaliar a dor e o peso de um tropeço. Eu já senti esta dor, e por diversas vezes posso dizer, por isso sei o tamanho da dor dos que precisam.
A igreja é uma comunidade terapêutica todas as vezes que é instrumento de Deus para o consolo e conforto do ser humano
“Disse Jesus à mulher: Não chores!” (Lucas 7.13)
Já deu para perceber o quanto as pessoas estao feridas, não deu? Estão vivendo uma sensibilidade a flor da pele, intocável e quase que incurável.
Sofrimento que as tem transformado em zumbis, caminhando sem direção. O índice de suicídios tem aumentado a cada dia. O sofrimento tem chegado as raias da loucura.
Homens, mulheres, jovens, adultos, se encontram num beco de emoções mal tratadas. São vasculhadas pela vida e despidas de fora para dentro e de dentro para fora, ficando a mercê de todas as setas, se vendo num raio x emocional, onde tudo obrigatoriamente é revelado.
A tônica do Filho de Deus era consolar e confortar o coração das pessoas.
Mais uma vez volto a mulher da cidade de Naim. Ao vê-la Jesus lhe dá logo uma palavra de conso: “Não chores!”. Antes de ir à casa de Jairo ressuscitar sua filha afirmou aos que estavam ao redor: “Por que fazeis alvoroço e chorais? A menina não está morta apenas dorme!”.
[9]Esta é a mensagem (e antes que me acusem de sugerir que as pessoas não podem chorar, afirmo que a intenção aqui é de que há esperança em meios as nossas lágrimas, inclusive as minhas) que a Igreja deve anunciar aos que sofrem. Palavras de conforto, de consolo, de ânimo para todos que vivem neste mundo decaído.
Precisamos dizer às pessoas que elas possuem um valor especial para Deus e para os outros.
Nós possuímos esta mensagem: as pessoas são alguém. Há muitos que se acham fracassados antes de tentarem, e nós podemos ser agentes de Deus para ajuda-los a chegar no fim da história como vitoriosos.
A igreja é esta comunidade terapêutica ao descobrir que tem o poder de consolar os que estão caídos dentro de um universo de “pequeno polegar”. Somos a comunidade de Deus quando decidimos consolar milhares que caíram no buraco negro do fracasso existencial.
Quanto mais leio sobre o ministério de Jesus, mas me convenço que suas mensagens e atitudes não tinham outro objetivo, senão arrancar do peito dos que lhe ouviam todo tipo de fracasso ou pensamento que esvaziasse o sabor pela vida.
Basta olhar para os discípulos de Jesus e perceberemos que Ele os tirou de uma vida anônima e sem graça e os fez participantes de uma história com significado para a humanidade.
Mateus era um cobrador de impostos cuja profissão era tão desprezível que nem penitência era aceita pelos seus pecados, afirma o historiador Joaquim Jeremias.
[10] Contudo, através do Cristo ele se torna autor de um dos evangelhos mais lidos em toda a terra.
Pedro era um pescador rude, truculento, mas que depois de um encontro pessoal e transformador com o Mestre, tornou-se um mártir e um poderoso pregador do Evangelho.
Estes exemplos importam para dizer que a Igreja tem esta mensagem, de que o homem pode livrar-se de todo o peso e desconforto que encontra na vida, encontrando-se com Deus. Mas a Igreja não basta apenas saber desta verdade, é necessário vivê-la, experimentá-la e anunciá-la.
A igreja é uma comunidade terapêutica quando é instrumento para promover o renascimento e a igualdade entre os homens
Dois anos depois retornei a Igreja de negros que havia visitado nos Estados Unidos, para participar da celebração pela manhã. Mais uma vez me deparei com as músicas repletas de alegria e uma pregação vibrante, emocionada e profunda.
Fui transportado ao Mississipi, da década de 50, cidade ao Sul do país, onde os filmes retratavam a rica cultura litúrgica dos negros americanos.
Entretanto , ao mesmo tempo em que desfrutava daqueles momentos de alegria, sentia uma sensação de frustração por lembrar que muitas vezes a Igreja, nos Estados Unidos mesmo, confundiu-se em meio as lutas entre brancos e negros.
A igreja concretizou um pecado histórico, dividiu-se entre brancos e negros, ricos e pobres, cultos e ignorantes. Foi tomada por um espírito “judaico-cristão”, e muitos não conseguiram conviver com os samaritanos modernos.
Não foi assim com Jesus. No ministério do Filho de Deus encarnado como homem, o espaço para a igualdade se tornou a melhor terapia para os grupos fracassados, expoliados e necessitados.
Basta olharmos com atenção para o Novo Testamento, e encontraremos nos evangelhos Jesus pondo em lugar de honra as pessoas que ele considerava especiais.
Para Ele todos poderiam se tornar filhos de Deus. Paulo interpreta o modelo do Cristo da seguinte forma: “não há grego, nem judeu, circuncisão, nem incircuncisão, bárbaro, cita, escravo ou livre, mas Cristo é tudo em todos”.
O comentarista Ralph Martin diz que “de modo magnífico, todas estas estratificações e hostilidades sociais são removidos na asseveração de que Cristo é tudo que os homens precisam para entrarem num mundo novo, e Ele está em todos, independentemente da sua condição anterior no mundo antigo”.
[11]Na Igreja a igualdade é marcada pela igualdade no batismo de Cristo e não pelas posições sociais alcançadas, visão que certamente Paulo aprendera com o Filho de Deus.
A sociedade moderna (e até pessoas dentro da Igreja), desfaz, humilha, esquece de todos aqueles que se tornam minoria ou que não encontraram seu espaço entre os “normais”.
Na igreja de Cristo há de ser diferente. A marca do cristão do Cristo é promover entre todos um sentimento de solidariedade , capaz de afugentar o triste e pavoroso fantasma da solidão existencial.
Diga-me, não é terapêutico este tratamento? Cuidar das pessoas tornando-as iguais?
Em Lucas 10.25-35, Jesus narra a parábola conhecida como a do “Bom Samaritano”. No texto é ressaltado que o Samaritano não deteve-se por conta da religião de fazer o bem ao homem caído na estrada.
Contudo, o grande conflito (Jesus estava num debate teológico com o doutor da Lei) não era a respeito do moribundo, mas sim da presença caridosa do Samaritano.
Jesus o vê como igual, como ser humano, independente das diferenças sociais ou religiosas que ele carregava.
Talvez fosse sobre esse assunto que ele pensou ao escrever a trilogia dos perdidos, também no livro de Lucas, no capítulo 15.
Destacam-se três personagens: o pastor das ovelhas, a mulher das moedas e o pai dos jovens.
Para cada um desses havia algo perdido. Para o pastor das cem ovelhas, uma estava perdida, ou seja um por cento do seu rebanho. Para a mulher das dez moedas que possuía, uma se perdeu, numa matemática simples, dez por cento das moedas estava perdido. E por fim, para o homem que tinha dois filhos e vê um se perder, ele havia de fato ter visto ir embora cinqüenta por cento dos seus rebentos.
A matemática é fria, o cálculo é exato. Para um materialista ou calculista frio, quem menos perdeu foi o pastor que entre cem ovelhas, apenas uma foi embora, o que não precisaria nenhum esforço para recuperá-la.
Não era assim para Jesus. Não importa se são um, dez ou cinqüenta por cento, se está perdido é preciso fazer de tudo para resgatar.
A Igreja é uma comunidade terapêutica exatamente quando afirma a possibilidade das pessoas renascerem e serem iguais.
É no Corpo de Cristo e, somente nele, que há espaços para assentarem-se à mesa engenheiros, doutores, serventes ou faxineiros, cultos ou ignorantes. Somente na igreja de Cristo é que podemos cuidar dos solitários, abandonados e os marginalizados pela vida, tornando-os cidadãos do mundo e cidadãos dos céus.
Eu penso numa Igreja assim, pela simples razão de crer num Jesus assim.
Recomeços para quem chegou ao Fim da Linha
Acredito numa igreja que pode se tornar o hospital emocional mais significativo da sociedade. Não um que hospede apenas loucos, condicionado a valores abstratos, sem comunicação com o nada. Mas sim capaz de promover a libertação, através da mensagem de Cristo, de muitas pessoas que a ela se aproximam.
Será utopia sonhar assim, mas não é para isso que existe a Igreja?
Creio que sim, porque ela não é o Rotary, ao contrário, é uma comunidade de pessoas que, por força espiritual, já tiveram uma experiência de aconchego por parte de alguém muito especial, que é Deus.
Quantos na igreja que pastoreei chegaram bêbados, tortos, semi-mortos? Uma dessas ovelhas um dia me disse: “eu era temido por todos, mas nunca respeitado. Quando encontrei-me com Jesus passei a ser respeitado, e nunca mais temido”.
Quantos que foram expostos ao pecado, à queda, a dor, a humilhação, e foi no aconchego da igreja que encontraram razão de continuar a caminhada?
Foi no calor dos que já sentiram a cor da dor que resolveram insistir com a vida.
Permita-me fazer uma pergunta no final deste capítulo: como você enxerga a sua igreja? Pare, pense e avalie agora, depois responda. Mas cuidado para não avaliar a luz dos outros, espero que você seja sincero e honesto a ponto de avaliar a luz de você mesmo, a ponto de desejar ser instrumento de Deus para fazer de sua igreja uma comunidade de misericórdia.
Num tempo como este em que estamos vivendo, agitado mas solitário, onde amigos são raros e conselhos escassos, a Igreja tem nas mãos a responsabilidade de ser um hospital dos corações humanos, gerando vida, alegria, paz e sentimento de vitória na história humana.
Contudo, não é uma vitória ufanista, onde decretamos e ordenamos Deus produzir sucessos repentinos, como se lidássemos com Aladim e a Lâmpada Mágica.
Falo de uma igreja que consegue olhar para o ministério de Jesus e perceber o quanto ele está próximo de quem não possui nada nem ninguém por perto.
É deste modo de enxergar o cristianismo que escrevo. É neste desejo intenso que sonho em uma igreja que seja capaz de dar uma “mãozinha” a quem deseja, com uma intensidade maior: descer ao tanque Betesda.
“Queres ficar são? Perguntou-lhe. Respondeu o enfermo: Senhor não tenho ninguém que, ao ser agitado a água, me ponha no tanque; assim, enquanto eu vou, desce outro antes de mim. Disse-lhe Jesus: Levanta-te toma o teu leito e anda. Imediatamente o homem ficou são...” .
[12]Que o avivamento da misericórdia aconteça!
[1] Lucas 10.36,37
[2] Crabb, LArry – Conexão, Mundo Cristão, pp. 12-13
[3] Atos 10.38
[4] Lucas 7.11-17
[5] Mateus 11.28
[6] João 8.1-11
[7] Crabb, Larry – O Silêncio de Adão, Sepal, pág.202.
[8] Manning, Brenan – Convite a Loucura, pags. 93,94.
[9] Mateus 9.18-26
[10] Jeremias, Joaquim – Jerusalém nos dias de Jesus, Edições Paulinas
[11] Martin, Ralph – Colossenses e Filemon, Mundo Cristão, pág, 119.
[12] João 5.7-9